segunda-feira, 15 de outubro de 2007

OS PASTORES DA ACÁCIA

Geometria escondida n'Os Pastores da Arcádia?

Antes de se arriscar qualquer conclusão, há que ver que ainda não se retirou do quadro de Poussin todas as ilações possíveis! Apresenta-se de seguida a teoria do Prof. Christopher Cornford, do Royal College of Art, segundo a qual a pintura de Poussin contém uma sofisticada estrutura geométrica pentagramática. Segundo o Prof. Cornford:
"A maior parte das pinturas dos antigos mestres (de facto, todas as que eu investiguei até hoje) parecem estar estruturadas, ou de forma livre ou rigorosa, em conformidade com um sistema de linhas direccionais, ortogonais e diagonais, baseadas numa ou noutra de meia dúzia de subdivisões relativamente simples do formato rectangular – todas podem ser facilmente construidas com régua, compasso e esquadro. Os sistemas usados encaixam-se em duas classes principais: os que usam primeiramente uma construção geométrica, determinando-se a seguir uma sequência de magnitudes que são progressões geométricas (...) e, por outro lado, os que se baseiam em rácios entre numeros inteiros, como por exemplo, 2:3, 3:4, 3:5, etc. Este último sistema é baseado nos escritos sobre a criação presentes no "Timeu" de Platão e foram publicados por Alberti nos seus "Dez Livros sobre Arquitectura" (Florença, 1485). Executa-se por cálculo bem como por construção usando instrumentos, e exerceu grande atracção no auge do Renascimento e no seu declínio, porque dissociava a arte e a arquitectura da velha tradição manual maçónica da Idade Média, e associava-as ao saber humanístico. Adicionalmente, o sistema numérico usado era uma espécie de invocação do divino, visto que o edifício ou a pintura tornavam-se num ensaio microcósmico do acto primevo de criação. O sistema maçónico-geométrico é incomparavelmente o mais antigo dos dois. De facto, parece ter sido conhecido dos antigos Egípcios e da nossa cultura megalítica. Sobreviveu, frequentemente rodeado de uma atmosfera de ofício (se não mesmo culto) secreto, até ao tempo de Alberti, quando por causa deste entrou em declínio (...). Assim, uma vez que "Os Pastores da Arcádia" foram pintados à volta do ano 1640, esperar-se-ia que o quadro contivesse uma estrutura Albertiniana-Timeana ao invés de uma maçónico-geométrica (...). O que me convence neste caso de que há uma geometria pentagonal presente é o formato da pintura (...). As dimensões são 120cm x 87cm = 1:1.3793, com uma discrepância de apenas 0,0033% (...) em relação ao rectângulo 1:1.376, que tem uma forte e muito peculiar relação com o pentágono regular (...). O pentágono (e) pentagrama (...) têm gozado de imenso prestígio e provocado nada menos que reverência entre geómatras, arquitectos, e pedreiros deste os tempos mais recuados. Para os Pitagóricos (do séc. VI a.C. em diante) o pentagrama era um símbolo de vida, eternidade e saúde (...). O uso posterior do pentagrama em práticas mágicas como protecção contra entidades espirituais indesejadas é, presumivelmente uma reminiscência de, ou uma herança directa da, tradição Pitagórica. (...) Se Poussin está a querer dizer algo (...) ele parece estar a dizer que os pentágonos e pentagramas e os seus ângulos constituintes estão bastante envolvidos."21
Estudo geométrico do Prof. Cornford
Independentemente da subjectividade deste tipo de análises, onde a partir de certa altura poderemos estar no domínio da pura especulação, importa estabelecer alguns factos. Claramente, Poussin pintou o quadro com uma lógica simbólica e geométrica subjacente, como faria qualquer verdadeiro mestre. Sem dúvida, porque isso estaria de acordo com o espírito da época, existe uma leitura "externa" deste quadro, presa à interpretação imediata da cena como sendo bucólica e lírica, um memento mori22 de características mitológicas, com uma abordagem clara à temática arcadiana. Porventura existirá uma outra leitura, esta "interna", associada à intenção do próprio pintor, que apenas ele poderia esclarecer. Uma vez que Poussin não deixou nenhuma pista para esta leitura mais profunda, tudo o que se disser será sempre subjectivo. Contudo, numa tentativa de fazer esta leitura "interna", existe um importante património simbólico e lendário que não pode ser descurado. Luís XIV, o Rei-Sol, esteve bem atento a este património, e soube aproveitá-lo bem. Atrás referi que o Meridiano de França, que atravessava Paris precisamente na igreja de Saint-Sulpice, era visto como uma projecção do axis mundi, ou "eixo do mundo". O Meridiano de França marcava o grau zero de longitude, e nesse sentido seccionava o país ao meio. Mas o verdadeiro axis mundi desempenhava uma função simbólica muito mais importante: a de ligar a Terra ao Céu. Mais concretamente, o axis mundi era imaginado como uma linha invisível que, partindo do Centro da Terra, atravessava os céus precisamente no ponto de maior imobilidade, a estrela polar. No plano terrestre, o Midi francês era atravessado pelo Meridiano na proximidade de Carcassonne, de Arques e as duas Rennes. A região era assim chamada por ser a zona meridional do país. Era esta a região vista por muitos como a Arcádia francesa, um lugar paradisíaco e luminoso. Recordo que o nome antigo de Rennes era Rhedae, uma palavra que significava "carro", uma expressão herdada dos invasores bárbaros, que tinham o costume de dispor os seus acampamentos numa roda circular feita com os seus carros de guerra. Esta toponímia permitira, desde muito cedo, que Rhedae ficasse associada às constelações da Ursa Menor e da Ursa Maior. A partir daqui, passo a palavra a Iannaccone:
"Passando pela estrela polar, o astro mais luminoso do duplo complexo do Carro (Rhedae/Ursa Maior e Rhedae/Ursa Menor), o «axis mundi» incidia na terra na localidade de Peyro Dreto, o monólito sagrado dos celtas que entrara no circuito lendário francês provavelmente na Idade Média. Peyro Dreto é precisamente o «cromleck» de que fala Boudet, o centro do antigo povo celta, onde o conselho dos sábios druidas previra, de modo talvez confuso, a doutrina da salvação do género humano através do sacrifício de um só homem. É este o segredo da geo-sacralização do território de Rennes: o único local no território de França onde desde a antiguidade existem duas localidades vizinhas com o nome de Rhedae é o Aude. E Rhedae eram os nomes antigos dos locais gémeos de Rennes-les-Bains e Rennes-le-Château. Estas duas localidades, ou zonas, reflectiam na terra a estrutura das constelações do Carro, morada da estrela polar, o astro pelo qual se regulava o Norte geográfico e graças ao qual se identificava o centro do mundo (geográfico, político e espiritual). (…) O território da Arcádia representava simbolicamente este centro feliz, baricentro das decisões do Rei e de Deus. (…) o filho da Ursa Maior (ou Rheda Major), a estrela polar, chamava-se Arcas23. O território de Rhedae era então, simbolicamente, uma Arcádia, ou seja, a terra de Arcas, um território feliz, governado por um Rei feliz (…)."24
Para completar, o nome da localidade de Arques pode ter como origem precisamente este simbolismo, que como vimos é tão antigo quanto profundo. Este simbolismo é quase indispensável para a compreensão profunda do enigma de Rennes, porque o Priorado de Sião conheceu e usou esta linguagem e este património simbólico.

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